Estamos a um par de anos das legislativas. Elas, todavia, já mexem no principal partido da oposição.
É que, no próximo escrutínio interno do PSD, o vencedor será um potencial candidato a Primeiro-Ministro.
Muito se tem dito e redito acerca das virtudes e defeitos do actual executivo e da maioria que o apoia. Há, certamente, razões para desejar uma alternância que venha dar melhores respostas aos problemas que a todos nos afligem, corrigir as falhas e colmatar as brechas duma governação raramente conseguida.
Esperava-se, desde o início da actual legislatura, o esboço duma alternativa e o seu gradual enriquecimento face às experiências e à reflexão sobre os resultados da acção governativa, consubstanciados nos projectos políticos dos partidos oposicionistas com vocação de poder.
Tem sido desoladora a sua intervenção. Incapazes de analisar judiciosamente as medidas e a acção do governo e a actuação da respectiva maioria e de organizar uma crítica política e tecnicamente consistente, complementada com sérias propostas, e de, através delas, exercer uma acção pedagógica de esclarecimento da opinião pública, enveredaram pela soez e demagógica linguagem do bota-abaixo, cavalgando gratuitamente em todos os acontecimentos susceptíveis de depreciar a acção governativa
Só assim se entende que as sondagens continuem a colocar o PS e o Primeiro-Ministro a tão longa distância dos seus mais directos perseguidores.
Parece, pois, não haver trabalho de base ainda feito.
Os contendores concorrentes a líder do Partido, em vez de apresentarem soluções válidas e consistentes para darem corpo e idoneidade à alternativa a que se propõem, parecem mais interessados num desavisado jogo de ping-pong de ataques verbais que nada abonam da sua competência e seriedade políticas.
Dizer que José Sócrates é o seu principal adversário, que governa mal e que é preciso derrotá-lo nas próximas eleições é muito pouco, mesmo muito pouco.Com ocos voluntarismos deste tipo o actual Primeiro-Ministro continuará de pedra e cal por muitos e bons anos.
E os problemas estão aí. Por mais que o desmintam ministros e deputados, por mais loas que cantem os contentinhos, uma nova classe de instalados e de aturdidos pela inefável doutrina do mestre.
A entrada em vigor dos novos códigos de direito penal veio pôr em maior evidência os anacronismos que emergem entre e nos sistemas judiciais e de segurança - a lentidão duma justiça que não age em tempo útil, tornando-se presa fácil de treinados juristas e de prevaricadores e corruptos que principescamente pagam os seus serviços; a segurança dos cidadãos à mercê de tropelias dilatórias dos que abusam do desmesurado zelo de garantismos da lei susceptíveis de conferir a liberdade a gente vocacionada para actos da mais violenta criminalidade e à qual as forças de segurança têm dificuldade em se opor.
O reverso da medalha deste inusitado e balofo triunfalismo da abertura do ano lectivo agiganta-se quando analisadas friamente as perspectivas dos que entram em confronto com as amargas experiências daqueles que saíram a engrossar as defraudadas e numerosas fileiras dos licenciados no desemprego.
A bandeira da centena e meia de milhar de novos postos de trabalho trouxe muitos votos mas também muitas desilusões. E é neste quadro de estagnação do emprego e de quase meio milhão de desempregados que o patronato só vê nos despedimentos a única estratégia para revitalizar as empresas.
A doutrina eminentemente liberal dos economocratas de aquém e de além fronteiras, ao centrarem no lucro, a qualquer preço, toda a actividade económica, vem subordinar-lhe as componentes política e social do estado minando-o por confrangedora impotência perante a libérrima transumância das empresas segundo os interesses das multinacionais e outros grandes emprergadores, a contínua pressão para o aligeiramento das leis laborais, a corrupção, a economia paralela e a fuga aos impostos legalmente assistidas, o escandaloso aumento do desnível entre ricos e pobres, a indigência a atingir um em cada cinco portugueses... Um quadro bem menos idílico do que o panorama oficialmente martelado.
Transparece claramente o apetite do capital para dominar as mais importantes estruturas públicas no âmbito da saúde e segurança social, da educação...São significativas as suas invectivas contra um pretenso e empolado despesismo do estado cada vez mais dependente do poder económico deixando sérias apreensões no seio daqueles que, sem qualquer protecção, se vêem obrigados a acolher-se à sua sombra.
Os tempos não estão fáceis. As alternativas apresentam-se nebulosas. As que se desenharam e nas quais acreditámos foram-se esfumando. As outras, permanecem, ou por incapacidade ou por insondáveis desígnios, nas névoas duma trama ou enoveladas num imbróglio de inusitadas proporções.
Para tamanhos problemas a oposição também parece não ter soluções!...
Renato Ávila
São Bento foi a banhos. Cá dentro e lá fora. Em demanda do bronze.
Meio país, também.
O outro meio ficou. A trabalhar ou, sem vintém, a ver os outros partirem. A fazer as honras do convento. A segurar as pontas da trapilha manta de mil retalhos. Frágeis, muito frágeis. Tão débeis que se rompem ao menor puxão.
Por mais que nos martelem que estamos no céu, aparece-nos o inferno a cada esquina. No Porto, em Lisboa... por esse país fora onde cheire a discoteca, a gasolina ou a banco enquanto os tribunais continuam a carvão, as forças de segurança são difamadas e desautorizadas e, à sombra do novo código penal, mais meliantes deixarão as cadeias.
Por mais que nos vendam a bondade e escorreiteza das medidas e das leis do Governo, o PR vetou três logo de uma assentada e o Provedor de Justiça tem tido muito que fazer face à guerrilheira prepotência do estado contra os seus servidores.
Por mais que nos garantam estarmos no caminho da recuperação económica e do bem-estar social, o desemprego avança, o endividamento aumenta, a pobreza de muitos alastra enquanto uma minoria enche escandalosamente os bolsos e o fisco ataca em tudo o que cheire a receita. A juventude, ludibriada, desespera. O futuro parece morar cada vez mais longe.
Por mais que nos asseverem que a educação e a escola melhoraram, o insucesso e abandono crescem, as escolas fecham e os professores, aos milhares, ficam fora da porta como se fosse a coisa mais natural deste mundo. Dá-nos a impressão de que o projecto educativo do governo, se é que ele existe, se operacionaliza quase exclusivamente com algumas medidas avulsas de duvidoso alcance pedagógico, sugeridas pelas famílias, e com o estardalhaço da distribuição de computadores ao fim de semana. Parece até ser este o único acto susceptível de fazer emergir o Primeiro-Ministro das profundas lucubrações da Presidência Europeia.
Não temos qualquer preconceito contra este Governo nem contra esta maioria. Foi para eles o nosso voto.
Como cidadãos, sentimos, todavia, que começam a soar em vão os sacrifícios que nos foram pedidos com o gravoso aumento de impostos e a abrupta e sonorosa retirada de determinados privilégios a certos grupos de portugueses tidos por mais afortunados. À religiosa bandeira da liquidação da factura do défice, passada pela Europa dos ricos, podemos contrapor a realidade de um país mais pobre, mais dependente e indigente, mais estático, mais inseguro. Mais injusto.
A limitada almofada das políticas sociais e a supra ornada montra de algumas reformas, acentuadamente burocráticas, não chegam para nos restituir a esperança que se foi esfumando entre os equívocos e a inconsequência das políticas e dos discursos.
São Bento foi a banhos. Terá regressado mais bronzeado, porventura. Talvez mais distraído, ainda mais longe do país real. A maioria, certamente, mais autista no autocrático entendimento do sufrágio que a levou ao poder. A oposição, enredada nas tricas partidárias, sem projecto, sem chama e sem classe para se impor e cumprir o que os cidadãos dela reclamam.
Os que ficaram pressentem no horizonte as plúmbeas sombras dum porvir cada vez mais incerto e ameaçador. Não propriamente pelo que este governo prometeu e, com todas as condições políticas, não foi capaz de cumprir, mas pela confrangedora ausência de uma alternativa credível capaz de fazer germinar uma nova esperança em dias melhores. É que ninguém, minimamente atento, será capaz de acreditar nas figuras que aguerridamente se perfilam para liderar a oposição.
São Bento, a menos que haja um milagre, em breve voltará a perder o bronze e o verniz e nós continuaremos sem qualquer hipótese de positiva mudança a carregar com o chumbo desta malfadada crise.
Crise económica, certamente. Mas, sobretudo, crise de competência e de dignidade.
Renato Ávila
Os manda-chuvas da corporação asseveraram que vão abrir um inquérito. Para constar.
Uma tal autoproclamada “associação de defesa contra a violência da polícia” já veio a terreiro dar um ar da sua graça. Na pista de uma certa esquerdite anarquista que entende a liberdade como um direito absoluto e sem limites.
Dizem também por aí que, ao abrigo do novo código penal, muito chavalo que se encontra atrás das grades, certamente por boas obras prestadas à comunidade, regressará à luz do dia, pronto para outras.
Por este andar, qualquer dia a polícia recusa-se a sair à rua. Dum lado, os meliantes a lhe chegarem chumbo e a gozarem com a farda; do outro, os moralistas e os manda-chuvas a lhe fazerem a cama quando efectivamente entram de serviço.
O pacato cidadão que, dia a dia, é roubado, burlado, violentado, gozado bem que gostaria de ter uma farda e um cacetete e, em nome da segurança, aplicar umas caldaças a tanto chavalo que, impune, anda a chatear meio mundo por esse país fora.
Só se perderiam as que caíssem no chão!
Renato Ávila
A demonstração televisiva das virtudes do quadro interactivo, na presença do Primeiro Ministro, tem dado pano para muitas mangas.
Não propriamente pelas excelências da tecnologia postas ao serviço da educação, mas porque no acto intervinham crianças cuja prestação discente teria sido remunerada.
Os políticos da oposição, como sempre, saltaram no potro da demagogia e desancaram o Chefe do Governo.
Abominável, execrável, hedionda utilização de mão de obra infantil! Ainda, para mais, no âmbito da pedagogia!
De facto, Sócrates não terá visto bem o problema. Como a escola parece não dever existir para crianças mas sim para calmeirões, tinha duas soluções muito mais interessantes: ou ia com a tecnologia até ao fim e, em vez da miudagem, usava aqueles aranhiços chamados robots; ou falava à turma do Tonecas acrescida de outros pequenotes que, aos saltitos, tão triste figura andam a fazer por aí.
Cá por mim ainda vou pelo real. Os putos, ali a manobrarem as maquinetas. Como só eles sabem.
A escola, felizmente, ainda é também para eles.
E se lhes pagarem, tanto melhor.
Ele há cada fariseu!
Um numeroso grupo de trabalhadores manifestou-se à porta do Conselho Europeu recentemente reunido em Lisboa.
O nosso Primeiro, que presidia à reunião, achou muito natural esta Festa da Democracia. Certamente para a Europa saber que em Portugal a democracia é uma festa.
Tirada de mestre!
Na nossa democracia temos, de facto, festas para todos os gostos: arraiais, arruadas (a que alguns chamam arruaças), espectáculos de palco e de bastidores, circo e muitas artes mais.
O mais importante de todos é, como não podia deixar de ser, o das eleições – nos entrementes, nos finalmentes e nos aposmentes.
Nas eleições, fascina-nos, sobretudo, o voto. Aquela caixa mágica que dá vitórias a toda a gente, enrolando de tal maneira os papelinhos que atravessam a ranhura que tanto podem dar democracia como ditadura, ditadura democrática, e ainda colocar os figurões nos cornos da lua como nos abismos dos infernos.
De facto, aquele pequenino rectângulo de papel abonecado de pitorescas siglas e pomposos nomes e protocolado de soleníssimas normas é o elemento crucial e essencial da formalização da democracia.
Afiançam-nos, até, que aquela cruzinha que amadurecida e respeitosamente depositamos num dos quadradinhos é a genuína e soberana expressão da vontade popular face às propostas apresentadas na campanha eleitoral pelas formações concorrentes.
A questão da democracia real vem depois, quando os vencedores polvilham os resultados com pozinhos de perlimpimpim, transformando, ainda por artes mágicas, a democracia real em democracia virtual.
Prevalece um entendimento, quanto a nós negativo, de que o projecto maioritariamente sufragado confere aos seus subscritores o poder absoluto de dar a volta ao texto e fazerem aquilo que lhes dá na real gana, e, ainda, de considerem fora da jogada todos os outros projectos concorrentes e esvaziadas de qualquer capacidade de intervenção as formações apresentantes.
Resultado: a democracia transforma-se numa paradoxal ditadura democrática já que se considera sancionada pelo voto. Outra magia. Negra.
Tal perspectiva transforma o voto em elemento supérfluo, perverso, porventura.
As maiorias absolutas numa democracia representativa, como é a nossa, controlam a seu bel prazer o exercício da mais importante das suas funções: a função parlamentar. Elegem o Presidente da Assembleia e condicionam decisivamente a feitura e aprovação das leis e a fiscalização dos actos do Governo.
Acresce, por outro lado, que o exercício do poder por maiorias absolutas cai vulgarmente na tentação de criar mecanismos e estratégias de oposição e defesa face a órgãos ou instituições vocacionadas para a fiscalização e controlo da actividade administrativa do executivo, e de condicionamento da comunicação e da opinião pública.
A maioria actualmente no poder, ainda a meio do mandato, começa a dar sinais evidentes desse tipo de comportamentos.
A nível parlamentar, é paradigmático o que se passou com a interpretação da vontade dos cidadãos manifestada no referendo sobre a IVG, cuja lei e sua regulamentação estão longe de contemplar a eclética essência da expressão popular; a inviabilização da ida ao Parlamento de alguns ministros responsáveis por pastas nas quais emergem clamorosos casos de abuso de poder por parte das hierarquias.
A nível institucional, uma certa e descabida insolência face a algumas apreciações e recomendações menos favoráveis do Tribunal de Contas e da Provedoria de Justiça e a ausência de senso político nas relações com os Tribunais. Sintomática, ainda, uma certa tentativa de controlo político dos órgãos de investigação criminal e das forças de segurança.
Por outro lado, sente-se que paira velada ameaça de domesticação da comunicação social e condicionamento da opinião pública através duma famigerada lei cujos contornos já são motivo de apreensão.
A democracia poderia muito bem ser uma festa. Com tal panorama, não será certamente.
E o Senhor Primeiro-Ministro sabe-o muito bem.
A magia negra daquele pequenino rectângulo de papel!
Ninguém nos explicou ainda o rigoroso conteúdo de tão pomposo e arrevesado termo.
Assim como pouco nos disseram acerca de muitos outros, nomeadamente União Europeia, Globalização.... etc.
A verdade é que, jamais sabendo o que verdadeiramente querem dizer, vamos entretanto sentindo na pele o que nos andaram a esconder.
De União Europeia afirmaram-nos que se tratava de um grande espaço político, económico pensado numa base de solidariedade que também e sobretudo se pretendia social. Chegámos, todavia, à conclusão de que é, no fundo, um espaço de economia liberal onde impera a lei e o interesse do mais forte: as grandes potências e as multinacionais.
É mister que os seus quinhentos milhões de habitantes se transformem em outros tantos consumidores, só que cerca de um quarto não tem dinheiro para mandar cantar um cego pois que, na avidez do lucro, as grandes empresas andam de terra em terra na mira dos melhores custos de produção, deixando na penúria do desemprego milhões de cidadãos e respectivos agregados familiares.
A globalização parece outro filme do mesmo realizador. Seria uma abertura de liberdade, de contactos culturais, políticos e económicos entre todos os povos desta aldeia global em que vivemos, também numa perspectiva de solidariedade social. Afinal, a economia liberalista, com escandalosos resquícios de esclavagismo e proteccionismo, assenhoreou-se do processo e África, por exemplo, com as suas incomensuráveis riquezas, nas mãos de políticos corruptos, é o continente mais miserável onde a grande maioria da população morre de fome, de doença, de horríveis chacinas ou naufragando em constante e desordenada fuga para a Europa.
Apesar do cinismo das esmolas que os grandes, num simulacro de magnanimidade, vão enviando de quando em vez.
A União Europeia deu-nos dinheiro que só a alguns aproveitou. Melhorou-se, é certo, a qualidade de vida com estradas, água e saneamento básico em quase todo o país. Acenaram-nos com o consumo num enquadramento de elevação do nível de vida mas, a pouco e pouco, foram condicionando e neutralizando os nossos meios de produção tradicionais, nomeadamente a agricultura e as pescas e a pertença dos mares territoriais. A educação e a formação profissional pouco evoluíram porque não foram investidos convenientemente os fundos estruturais, antes malbaratados em políticas inconsistentes e avulsas de actualização e reciclagem.
Hoje, o garrote da política financeira e a transumância negativa das unidades industriais, aliados à corrupção e à fraude nas estranhas e impunes falências de muitas das nossas empresas, vão semeando a pobreza em crescente número de lares portugueses e a ansiedade em milhares de jovens casais cujo futuro vai ficando cada vez mais sombrio e mais distante.
A flexisegurança surge-nos como um mostrengo num mar encapelado de incertezas e desconfianças.
À sombra da legislação que ainda nos rege, é o que se vê: a porta da rua cada vez mais escancarada e mais perto de cada trabalhador, especialmente nas situações de recibo verde e de contratos a prazo em que até a doença e a gravidez são trivial pretexto de despedimento.
Com a política de apoio social cada vez mais apertada devido aos constrangimentos orçamentais, o desemprego torna-se num estado de sobrevivência insustentável e psicologicamente aniquilante.
É escandaloso e imoral que, enquanto uns enriquecem no âmbito ou à margem da lei, jovens cidadãos que apostaram na sua formação, que projectaram o seu futuro e planearam a sua família estejam na penúria ou com o desemprego a levar-lhes os sonhos e a casa no famigerado e degradante acto do leilão onde os endinheirados, em tamanha desventura, vão engordar a sua fortuna.
Por aquilo que julgamos saber, nesta selva em que nos é dado viver, a flexisegurança pode muito bem ser a estocada final no pouco que ainda existe de alguma justiça. Agigantar-se-á como nunca a lei e as atitudes discricionárias e pouco escrupulosas dos mais fortes a lançar à borda do caminho os subprodutos dum sistema de ensino que defraudou, dum sistema abastardado, pragmático e volúvel de valores que se instalou e da capacidade de produção que se alcandorou como dogma institucionalizador do valor de cada um.
Não será esta flexisegurançaa mais uma patranha que nos querem impingir?
Flexibilidade absoluta para que o capital ponha e disponha a seu bel prazer da vida e da dignidade dos trabalhadores? Segurança relativa em função das disponibilidades dum sistema de segurança social extremamente sobrecarregado que o mesmo capital verbera e hostiliza?
Nós preferimos a segurança da dignidade.
Um trabalhador não é uma máquina que só serve enquanto dá lucro. O trabalhador terá de ser sempre o outro elo da cadeia do sistema produtivo. É um ser humano tal como o empresário detentor do capital e entre as duas partes deverá estabelecer-se, de boa fé, um contrato de troca de bens e de salvaguarda de expectativas que o próprio trabalho proporciona.
Incompreensivelmente, é essa salvaguarda que os governos pretendem ignorar.
É, certamente, esta postura autocrática que está na génese da pretensa sonegação dos direitos de participação democrática aos cidadãos da União.
Cabe-nos perguntar aos governos e à Comissão Europeia de que lado estão – se dos cidadãos, se do capital?
A flexisegurança, neste quadro de profunda crise das classes médias e trabalhadoras, de progressivas e gritantes assimetrias entre ricos e pobres, poderá muito bem ser entendida como um certa espécie de eutanásia em lume brando.
O recente decesso de dois professores que a Junta Médica da CGA pouco antes declarara aptos para o serviço, inviabilizando a respectiva aposentação, tem provocado as mais desencontradas e disparatadas declarações.
A mais interessante, por mais coçada, delas todas é a do aproveitamento político. Assim entenderam alguns ministros e políticos da maioria.
O que mais nos repugna no meio de tudo isto é a frieza com que esta gente dos feijões (que milho parece já não haver) se refere à condenação de dois compatriotas, em fase terminal de suas dolorosas vidas, a trabalharem até à hora da morte.
Só a Ordem dos Médicos teve a seriedade de assumir que terá havido displicência na avaliação do estado clínico dos dois moribundos.
A hierarquia burocrática, em triste e degradante espectáculo, limitou-se a exibir os relatórios hospitalares, a assumir a “pilatónica” atitude de “dura lex sed lex” e a curiosa sentença de que a CGA irá à falência se não houver rigor na concessão das aposentações.
Ficámos elucidados.
Atendendo a tal penúria de cacau, de justiça e, sobretudo, de seriedade política, as aposentações, aquém dos trinta e cinco anos de serviço, só deverão ser concedidas por golpe ou por óbito.
Por golpe, a toda essa maltosa dos políticos que, em sede do poder, se abotoou com uma lei que lhes concede a reforma aos doze anos de exercício. Na boa. Sem avaliação. Sem pruridos de sustentabilidade da CGA.
Por óbito, a todo o pobre diabo que, desprovido da sorte e da lata de ser político e sem trinta e cinco bem batidos, bem avaliados e bem chorados, só lhe reste trinta dias de vida a sofrer p’ra cachorro.
A eutanásia, meus amigos, perto desta gente dos feijões, é um perigo!
A PERVERSIDADE DUM SMS
O afastamento de um professor, há vinte anos em funções de chefia na Direcção Regional de Educação do Norte, acusado de, em privado, ter feito chacota acerca da licenciatura do Primeiro Ministro, tem sido motivo de ruidosa campanha de acusações.
Esperar-se-ia maior sisudez e contenção. Maior seriedade. Especialmente por parte das instâncias superiores.
Tal não aconteceu e o problema está na praça pública como bandeira de rigor e eficácia de uns e perseguição de outros.
Tudo não teria passado de um ordinário, ainda que discutível, procedimento administrativo se, na sua génese, não estivesse um indecoroso acto de delação e respectivo acolhimento pela entidade hierárquica.
Foi a Directora Regional que o confirmou na recente entrevista dada conhecido matutino.
Ora, o aparecimento dum SMS no telemóvel de qualquer cidadão subentende a existência duma relação de proximidade pessoal ou institucional ou duma intrusão, positiva ou hostil.
Uma mensagem delatora implica, por si mesma, uma intrusão ou uma resposta oficiosa a um pedido ou a uma ordem.
Tratando-se duma intrusão, muito mal andará quem lhe der crédito. E vem-nos à memória a célebre parábola das Três Peneiras, dos nossos tempos de menino. Se tiver sido resposta a um pedido ou a uma ordem, transparece uma intenção de devassa persecutória de condenável baixeza.
Quando tal procedimento se revela por parte dum superior hierárquico, especialmente se investido de poderes de decisão quanto à carreira e ao futuro do subordinado, e deles aquele se serve num quadro de prepotência gratuita atentatória da sua dignidade pessoal e profissional, está-se em presença dum abuso de poder lesivo da liberdade individual do visado e dum direito de expressão constitucionalmente consagrado.
O caso DREN, a ter de existir, podia e devia constituir um normal processo judicial no qual o acusador teria de dar a cara e apresentar provas sérias, concretas e ajustadas e não se ficar pela autocracia prepotente da hierarquia, da qual o auto acusatório, lavrado pelo inspector-inquisidor, é um belíssimo e degradante exemplo. Inseguro pela ligeireza e o ridículo do motivo invocado, entra em genéricas abstracções para tentar a fundamentação dum encomendado libelo.
Todavia, no nosso modesto entender, a questão é muito mais grave:
Do currículo da Directora Regional consta que foi membro, com responsabilidades, da Juventude Socialista e dirigente da FENPROF.
Será que a JS e quejandos de outros partidos produzem regularmente gente mentalizada para a delação e a persecução como moeda para se guindarem e permanecerem nos “poleiros”?
Será que as organizações sindicais, na sua pureza e generosidade de princípios, conseguem inserir em seu seio gente disposta a perseguir, a sanear os seus camaradas?
Em que medida a hierarquia, até ao mais alto nível, admite ou, porventura, patrocina ou é conivente, este tipo de comportamento das chefias?
É sintomática e preocupante a atitude até agora demonstrada por essa mesma hierarquia, quer a nível oficial, quer a nível partidário.
O Primeiro Ministro e Secretário Geral do partido apenas conhece o caso através da comunicação social e debita a mais comezinha doutrina. Em casos desta natureza, será sempre muito pouco para o Chefe do Governo e para o responsável máximo da instituição partidária.
A Ministra da Educação só se pronunciará após a consulta do processo, o que pelos vistos, equivalerá, tão somente, ao sancionamento do professor, ficando o reprovável procedimento da directora regional no livro dos esquecimentos.
A nível partidário, enquanto algumas prestigiadas figuras do PS verberam o comportamento daquela, o líder do PS/Porto não só a apoia como subscreve as suas estranhas tomadas de posição num típico comportamento de guerrilha partidária e do mais puro e execrável carreirismo.
Pelo andar das coisas,. começamos a aperceber-nos de que um SMS será, certamente, um método corriqueiro nesta tenebrosa engrenagem da delação e dos procedimentos persecutórios típicos duma justiça palaciana de suseranos prepotentes e vassalos clamorosamente indefesos à mercê de lacaios sem pudor e de esbirros sem escrúpulos, na perversa onda dos SMS e, possivelmente, dos microfones e outros mimos tecnológicos escondidos, à laia da CIA e da KGB.
Não foi para isso que votámos PS.
Saiba-o o Secretário Geral do Partido Socialista, saibam todos quantos estão na política para se servirem, calcando os outros a fim de mostrarem serviço e alardearem méritos que não têm.
A OTA era para aviões. Juradinho ali!
Parece que, afinal, será para moscardos.
Não é caso para admirar num país de tanta ... !
É que, de facto, tresanda a fedores.
È nauseabunda a tardia descoberta da direita ao mandar a OTA às urtigas depois de uma dezena de anos nela mergulhada.
É suja a campanha da CIP ao patrocinar o tenebroso mistério de Alcochete.
É pantanosa a intervenção do PR em toda esta nebulosa trapalhada.
É uma borrada o recuo do governo depois de tanta atribulação e tanta firmeza.
É uma sujeira dos técnicos a subalternização dum critério essencial – a abrangência demo-geográfica.
O centro do país, zona altamente carenciada duma estrutura aeroportuária para o seu franco desenvolvimento, decisivamente virado para o turismo, teria na OTA um impulso importantíssimo, especialmente na sua parte meridional. Com ela lhe acenaram durante uma dúzia de anos e só agora é que concluíram que a OTA tem todos os defeitos do mundo e mais alguns.
Por mais voltas que dêem ao texto, ninguém nos tirará dos miolos que a questão tem um nome – “massa”, muita massa! Bué de massa! Não a dos custos (não brinquem connosco, por favor!). A dos proventos. Dos fartos proventos de meia dúzia.
Tudo parece conjugar-se para fazerem da OTA um aterro sanitário.
Seria muito bom, mesmo muito bom que os autarcas e as demais forças vivas e económicas da zona centro fizessem valer a sua força e conseguissem evitar tamanha injustiça.
É que os moscardos já andam no ar.
. Enquanto houver amizade.....